top of page

28 de novembro 2016

PEC 55, antiga 241, é condenada por quase todas as entidades sérias do País

Trecho final de nota pública assinada por mais de 30 entidades, como Associação Juízes para a Democracia, FioCruz e CNBB e outra centena de profissionais do MP, Saúde e Educação

Baixe a nota técnica na íntegra clicando aqui.

 

“...Registramos, pois, nossa convicção de que o financiamento mínimo dos direitos fundamentais à saúde e à educação, bem como o orçamento da seguridade social são cláusulas pétreas, pela confluência de três prismas normativos que operam em reforço recíproco: 
•    revelam a dimensão objetiva – dever estatal de custeio – de direitos subjetivos públicos indisponíveis, materializados em serviços públicos essenciais que não podem sofrer solução de continuidade, são amparados pela aplicação imediata prevista no art. 5º, §1º da CR/88 e contra os quais não é oponível a cláusula de “reserva do possível”; 
•    possuem a natureza jurídica processual de garantias fundamentais (remédios constitucionais), equiparáveis ao habeas corpus, habeas data, mandado de segurança etc e, por fim, mas não menos importante, 
•    comportam-se como princípios sensíveis da Constituição de 1988, cuja violação pode ensejar a intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal (hipótese tão grave que veda, nos termos do art. 60, §1º, a apreciação de proposta de emenda constitucional no período da vigência da intervenção) ou a intervenção estadual em seus municípios. 
Sob qualquer dos ângulos de análise acima, a conclusão a que chegamos é uma só: não cabe impor, via ADCT [Ato das Disposições Constitucionais Transitórias], uma espécie de ‘estado de sítio fiscal’ que suspenda a eficácia dos direitos fundamentais por 20 (vinte) anos, a pretexto de teto global de despesa primária, como a PEC 241 pretende, independentemente do comportamento da riqueza na economia e da arrecadação governamental.  
Ao nosso sentir, as mudanças, de fato, necessárias para reequilibrar as contas públicas e promover o custeio constitucionalmente adequado dos direitos fundamentais não demandam maior inovação legislativa no regime da responsabilidade fiscal. A sociedade brasileira precisa, isso sim, é de compromisso sério com a revisão de privilégios (como o são, por exemplo, as renúncias fiscais concedidas ao arrepio do art. 14 da LRF e os incentivos creditícios, via BNDES, sem qualquer exame de efetividade); precisa mitigar discricionariedades na execução e no exame das contas anuais dos entes políticos (haja vista os rotineiros falseamentos de gasto mínimo e os desvios de recursos para fins nada republicanos); precisa conter abusos (como, por exemplo, o regime de parcelas indenizatórias em detrimento do teto remuneratório do serviço público); precisa investigar e eliminar inchaços no quadro de pessoal; precisa refutar frouxidões interpretativas e acompanhar cotidianamente o fluxo do dinheiro público. 
Melhor e mais íntegro controle é ponto de partida, mas não basta, porque as causas estruturais de desequilíbrio fiscal seguem alheias ao debate público provocado pela PEC 241. Essa proposta de um “Novo Regime Fiscal” adia e, de certa forma, mantém oculta a real demanda pela reforma tributária, única capaz de enfrentar a injusta regressividade e a irracionalidade federativa do nosso modelo arrecadatório. Também é necessária a correção de distorções nos regimes previdenciários (geral e próprio tanto dos servidores, quanto dos militares). Mas, sobretudo, é imperativa a necessidade de fixação das balizas para a gestão da dívida pública federal (balizas essas referidas a limites máximos e aos deveres de transparência e motivação). Nessas três grandes fontes de tensão, de fato, reside o núcleo dos maiores conflitos distributivos incidentes sobre o orçamento público, para os quais nossos legisladores deveriam reconduzir inadiavelmente seu foco. 
Nosso alerta é o de que não podemos comprar, na realidade brasileira atual, soluções aparentemente fáceis, novas e drásticas para problemas antigos e culturais, pois são, na verdade, ilusões, algumas delas inconstitucionais. Aqui indiscutivelmente o maior problema reside no art. 105, que o substitutivo da PEC 241, aprovado pela Câmara em 10/10/2016, quer inserir no ADCT da Constituição de 1988, cujo resultado prático é a mitigação dos pisos de custeio que amparam a máxima eficácia dos direitos fundamentais à saúde e à educação. 
Diante de tais preceitos fundamentais, o desafio que o presente momento nos impõe a todos é o de conciliar, republicana e democraticamente, a busca contínua por responsabilidade fiscal para que o Estado, dentre outras destacadas finalidades constitucionais, promova mais e melhor educação e saúde para o cidadão brasileiro. Vale lembrar, nessa seara, o dever assumido pelo país em diversos tratados internacionais, na forma do art. 5º, §2º da nossa Constituição, de desenvolvimento progressivo dos direitos sociais, econômicos e culturais, em rota de plena e íntegra convergência com o fundamento da dignidade da pessoa humana. 
Para além de quaisquer cálculos e metodologias de ajuste fiscal, o que está em jogo é a própria higidez da Constituição de 1988 em seu núcleo de identidade, qual seja: o art. 1º, III, o art. 5º, §1º e o art. 60, §4º, IV. Nenhuma proposta de reforma constitucional pode pretender substituir a própria Constituição. Eis a última fronteira que assegura a sobrevivência do Estado Democrático de Direito, tal como a sociedade brasileira o inaugurou em 1988 e que cabe a nós, atual geração, defender em todas as instâncias cabíveis, até mesmo no âmbito da republicana sistemática de freios e contrapesos. “

Please reload

bottom of page